Vestir o que se gosta e não o que nos impõem, é libertador!

by | Mar 8, 2022 | Histórias

A rotina para ir ao trabalho era a mesma: café da manhã sempre às pressas, escolher um vestido, maquiagem (base, pó, rímel, baton), remover as pinças da “touca” – às vezes eram rolos enormes e nada confortáveis que impediam encostar a cabeça no travesseiro pra dormir algumas poucas horas. Hair Spray – o nome mesmo era laquê, desodorante rolon, perfume Almiscar Selvagem, meia-calça de nylon cor da pele e sapatos, de preferência com saltinho Anabela pra ficar bem femininos e não cansar muito, já que a distância de casa até o ponto de ônibus era grande e a calçada cheia de buracos.
De 2a. a 6a. feira era esse o ritmo. Bom mesmo eram os fins de semana porque esse ritual não precisava ser seguido e eu podia andar do jeito que eu gostava. Ainda hoje sou avessa a tais obrigações.
Era o final dos anos 60 e eu tinha acabado de conseguir um emprego de secretária do gerente financeiro de um laboratório farmacêutico situado na Jerônimo de Lemos 92 no Rio de Janeiro – hoje se não me engano é um prédio residencial. O laboratório – A. H. Robins – era muito bom e foram eles os primeiros a importar e comercializar o DIU no Brasil. Sua matriz ainda existe aqui em Richmond, Virgínia.
Cada gerente tinha uma secretária. Cada secretária tinha uma história diferente. Cada gerente também. Mas todas nós tínhamos um problema comum: a gente morria de medo do chefe, do chefe do chefe, e do chefe do chefe do chefe. Ser “A” chefe ou ter umA chefe ou gerentA não era pro nosso bico. Isso era coisa de filme americano, onde os escritórios eram amplos e com poucas paredes entre as divisões. Cada gerente tinha sua sala. Cada secretária sua mesa na entrada da sala. E, claro, alguns gerentes tinham um sofá que vez por outra era usado para “avaliação” das funcionárias.
Quando soava a hora do almoço era o momento em que aproveitávamos pra ter um pouco de alegria, contar piadas, fofocar ou servir de ombro pra alguém já que drama não faltava, principalmente aquelas cujos chefes viviam tocando o terror. Dizíamos que as esposas provavelmente dormiam de calça jeans.
Numa daquelas manhãs em que eu tive que me arrumar rapidamente, lembrei que não tinha raspado os pelos das pernas durante o banho na noite anterior. Tentei raspar assim mesmo, a seco e me cortei. Ardeu muito e eu chorei de raiva. Comentei com as meninas que odiava ter que raspar as pernas pra poder usar vestido no trabalho. Uma delas disse que seu sonho era mudar de emprego e poder trabalhar num lugar onde o uniforme fosse calça comprida. Eu discordei. Disse que quem precisava mudar não era ela mas o sistema. Que se homem podia usar calças, não fazia sentido que as mulheres não pudessem. Elas riam de mim. Me chamavam de revolucionária. E eu era mesmo.
O tempo foi passando e o chefe do chefe do chefe ficou sem secretária porque ela ficou grávida. Era preciso contratar outra que falasse inglês, já que ele era americano.
Eu, atrevida, fui ao escritório dele e pedi pra me dar uma chance. Ele, incrédulo, disse: “menina, como você quer ser meu secretária se você não fala inglês?” Eu disse que aprenderia rápido se a empresa pagasse meu curso e ele topou o desafio. Me deu um prazo de 6 meses e se após aquele prazo eu soubesse responder algumas perguntas que ele faria, ele me daria uma promoção em caráter experimental e no final de 1 ano eu teria um aumento de salário.
Eu fiquei grávida. Trabalhava até às 5 da tarde, ia de ônibus para o curso na Praça Saenz Peña, e ao voltar pra casa aproveitava pra estudar as apostilas. Era cansativo mas eu sabia que conseguiria aprender inglês.
O resto é história que até hoje eu devo ao Curso Oxford cujo método Audio Visual era inovador e infalível!
Quando me senti segura e orgulhosa por ter deixado de ser secretária pra ser secretária executiva do chefe do chefe do chefe, comecei a rodar a baiana. Falei com as meninas que iria aparecer no dia seguinte vestindo calças compridas e se eu não fosse demitida, elas poderiam seguir meu exemplo. Ninguém acreditou que eu tivesse tanta coragem.
Assim fiz: entrei na sala do meu chefe, e disse o de sempre: “Good Morning, Mr. Cooper”. Por dentro meu coração estava a mil por hora. Por fora eu ostentava o sorriso mais calmo do mundo, mas até hoje me lembro do olhar assustado dele ao me ver vestida daquele jeito. Foi “priceless”!
Eu não sei se ele não falou nada porque não quis dar o braço a torcer por conta da minha petulância, ou se foi porque na verdade ele não estava nem aí pro detalhe. Eu nunca perguntei.
Trabalhei lá por vários anos e até hoje tenho amigas que trabalharam na mesma época. Desnecessário dizer que a indumentária feminina a partir daquele dia passou a ser preocupação secundária daquelas meninas. E das funcionárias que se seguiram.
Ao comemorar o Dia da Mulher hoje, eu penso: será mesmo que avançamos o bastante? Se não, quanto de coragem nos falta para dizermos um basta a tantas barreiras e imposições sem sentido. É preciso que estejamos sempre a postos para ajudar umas as outras, mesmo as que não nos vêem necessariamente como aliadas mas como um empecilho para seus próprios objetivos.
Mas a gente chega lá, cada uma do seu jeito.
Feliz Dia da Mulher!
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