Nada do que vou falar aqui é novidade. Mas não custa enfatizar.
Quando a gente se dispõe a abraçar uma causa humanitária qualquer, a gente tem que estar com os pés no chão. Temos que estar conscientes de que não passamos de um grão de areia no universo. Temos que estar preparados pra enfrentar todas as atitudes hostis que tal decisão pode gerar até mesmo provenientes daqueles que estamos tentando ajudar. E, principalmente, não podemos deixar que o sucesso de nossa simples iniciativa, possa fazer com que nos sintamos ou sejamos chamados de heróis porque ninguém é. Faz parte da nossa obrigação como seres humanos.
Se resolvermos que vamos dar de comer a uma ou mais pessoas, precisamos não cair na tentação de acreditar em promessas daqueles que ao perceberem nossa boa intenção, aproveitam para clamar que vão acabar com a fome do resto do nosso bairro, cidade, país ou até mesmo no mundo. Ninguém acaba com a fome. Eu sei disso.
O mesmo critério deve ser aplicado aos que tem o sonho de ajudar pessoas a estudarem. Sempre haverá alguém que aproveitará a carona e usará nosso exemplo para prometer que vai resolver o problema da educação. Ninguém acaba com o analfabetismo. Também sei disso.
No campo da saúde, o problema é ainda maior. Porque ao tentarmos ajudar a ciência com nossas parcas contribuições, sempre encontraremos quem use nosso exemplo para prometer que mazelas de toda sorte serão eliminadas do planeta. Ninguém acaba com todos os males que afetam a saúde de qualquer espécie. Claro que não.
O exemplo mais bizarro é certamente o da corrupção. Por mais que consigamos não cair na tentação de aceitar propinas ou benefícios que nos favoreçam de forma ilegal, basta olharmos à nossa volta para percebermos que no meio daqueles que vociferam impropérios contra a corrupção se encontram na verdade os que conseguem nos enganar diariamente. Ninguém acaba com a corrupção. Não é novidade pra mim.

Foto Andre Telles Fotografia
Então paremos de nos iludir. Paremos de achar que sabemos eleger líderes. Não sabemos. Se soubéssemos, estaríamos vivendo no Shangri-La. Esse lugar não existe. Ele foi inventado por um escritor de nome James Hilton que também era um visionário como muitos de nós somos.
Paremos também de culpar os outros por terem mentido em suas promessas. O erro foi nosso porque fingimos acreditar no que eles diziam, porque no fundo nos sabíamos que tais promessas eram praticamente impossíveis de serem cumpridas.
O que nos resta? A fé? Fé em quem? Nas divindades que não param de mandar recados por seus interlocutores dizendo que precisamos orar mais, comprar mais terrenos para viver na eternidade pós morte, engolir mais hóstias aos domingos, levar mais flores para saltar as 7 ondas na praia, ajoelhar mais de 5 vezes ao dia em cima de um tapete?
Ou será que precisamos, de uma vez por todas, admitir que se não nos contentarmos em apenas dar de comer a quem admite que tem fome, ajudarmos na educação apenas de quem admite que precisa estudar, dar um remédio ou levar ao médico a quem aceita que está doente e – claro – recusar qualquer ajuda a quem ou de quem tenta nos corromper é a solução para sentirmos que fizemos nossa parte?
Por que insistimos em ajudar tanto a quem não está pedindo nem quer ajuda?
No dia 11 de julho de 1989 as Nações Unidas declararam aquela data como o Dia Mundial da População. Dois anos antes, a população mundial tinha ultrapassado a marca de 5 bilhões de pessoas. Estima-se hoje que a população mundial está chegando à incrível marca de 7.58 bilhões.
Será então que devemos exaurir nossas energias tentando melhorar o que para menos de 60 milhões está bom assim, ou será que é melhor direcionar nossas boas intenções ao restante da humanidade? Será que temos o direito de tentar interferir nas escolhas de cada um?
É preciso deixar que cada um tropece nas mesmas pedras que nos fizeram cair um dia. É preciso respeitar as escolhas alheias, para que respeitem as nossas próprias. Não temos o direito de tentar interferir na vida de ninguém, essa é a grande verdade que como eu disse no início desse desabafo, não é novidade pra ninguém.
Photos: Andre Telles Fotografia